Este Verão, estamos a olhar de soslaio para a África Ocidental devido à aparição de uma epidemia, mais uma, o Ébola. E olhamos, porque este vírus preocupa por vários motivos: primeiro e fundamentalmente porque é uma doença com uma alta mortalidade, 60% dos doentes morrem, e, segundo, porque não tem uma cura conhecida. Se a isto lhe somamos que tem uma alta capacidade de contágio entre as pessoas e que apareceu numa zona de África onde antes não se tinha dado, a cosa complica-se.
A comunidade internacional respondeu rapidamente e está a enfrentar esta doença infecciosa juntamente com os frágeis sistemas locais de saúde, tentando conter a sua expansão. No entanto, desde Março e até à data, mais de 1.000 personas morreram, e tem-se a sensação de que o seu controlo tardará pelo menos mais alguns meses. A OMS acaba de declarar uma emergência de saúde pública internacional por esta doença, e é urgente dispor de todos os meios materiais e humanos necessários para que o Ébola não venha a ser uma nova praga que assola a África.
Enfim, até aqui tudo normal quando se trata de uma epidemia que se desenrola num país “pobre”; a diferença desta vez foi que, surpreendentemente, nos países “ricos”, também chamados países do Norte, se gerou um grande alarme social, talvez porque desta vez nos demos conta de que a doença pode “viajar” a outros países e regiões, e sobretudo pelo medo em relação à possibilidade de que nos venha a afetar. E é nisto que as doenças nos recordam constantemente que não têm fronteiras, e ainda mais num mundo tão globalizado como o nosso. No entanto, mesmo que possamos denominar a de 2014 como a pior epidemia derivada do vírus Ébola até ao momento, não a poderemos comparar com o número de mortos de outras doenças como a malária, que mata mais de meio milhão de pessoas por ano, na maioria crianças de ambos os sexos, mas que não ocupam as manchetes dos meios de comunicação dos nossos países, certamente por não serem uma ameaça tão presente para a nossa saúde.
Quando acabe esta epidemia, teremos de refletir sobre a importância que damos à saúde mundial, entendida como um todo. Devemos ter sempre presente que, desde que se descobriu este vírus em 1976, houve 24 epidemias de Ébola, só que não nos interessámos o suficiente em lutar contra esta ou outras doenças hemorrágicas. Apesar disso, a solução ideal não passa por encetar uma luta doença-a-doença: se não tivermos sistemas locais de saúde suficientemente eficazes que sustentem estes programas, será impossível termos êxito.
Agora é o Ébola, e amanhã? A África tem os piores indicadores de saúde do mundo. A sua saúde é uma ferida por sarar, muito grande, enorme, uma ferida a sangrar, e não podemos curá-la com pensos rápidos – um penso para cada doença – cada vez que considerarmos que a ferida piora, ou que essa “infeção” se pode deslocar para outros continentes. Isso não é eficaz, não é eficiente, e gera um grande desgaste a todos os implicados.
Reforço dos sistemas de saúde
A solução é a médio e longo prazo: todos os países deveriam ter um sistema de saúde forte, com sistemas adequados de vigilância epidemiológica que possam responder rapidamente ante qualquer eventualidade de saúde. Porém, continua a haver demasiados sistemas de saúde frágeis no mundo inteiro, com escassíssimos recursos humanos, materiais e económicos, em quantidade e qualidade suficiente para fazer frente às necessidades de saúde da sua população.
Assim sendo, se queremos que estes sistemas sejam efetivos, não só devemos pô-los perto da população, esta última também deve poder usá-los. E para isso, as comunidades locais devem participar na definição das prioridades de saúde. Parece que no caso desta epidemia, algumas comunidades recusaram ser tratadas, acreditando que, em vez de curar, a ajuda pretendia propagar a doença. Infelizmente, esta recusa da ajuda médica não é a primeira vez que acontece. Só que, a meio de uma epidemia, é praticamente impossível integrar os padrões sociais e culturais nas estratégias de luta contra a doença, porque estas ações requerem tempo. E, portanto, é uma tarefa que os sistemas de saúde devem fazer a médio e a longo prazo: ganhar a confiança dessa população.
Necessitamos acabar, não só com a epidemia, mas sobretudo necessitamos de prevenir novas ameaças para a saúde mundial. E só o poderemos conseguir se trabalharmos a saúde como um bem global no mundo inteiro, colocando os interesses da saúde à frente de outros, como os económicos ou políticos, e apostando naqueles que até agora se duvidava da sua necessidade, por uma cooperação médica eficaz, eficiente e com impacto a longo prazo, mediante o reforço dos sistemas de saúde. A ferida na saúde africana deve fechar-se, e está nas nossas mãos. Nas de todos e todas.
Carlos Mediano
Vice-Presidente de Medicus Mundi Internacional
Tradução do espanhol: Vasco Coelho