A medicusmundi completou 25 anos de trabalho em Moçambique. medicusmundi catalunya (agora parte da medicusmundi mediterrània) chegou a Cabo Delgado, no norte do país, em 1994. Foi em Cabo Delgado onde, com base na análise de situação realizada pela equipa de cooperantes aí destacados, a medicusmundi catalunya aprofundou a sua estratégia de abandonar as práticas assistencialistas e priorizar as transformações de longo prazo, a começar pelo fortalecimento do sistema público de prestação de cuidados de saúde primários da zona.
Passámos a concentrar os nossos esforços em:
Formação do pessoal de saúde a nível local
Ampliação da prestação de cuidados com a construção e reabilitação de centros de saúde
Melhoria do planeamento e da gestão da rede
Promoção da educação para a saúde e da participação da comunidade nas decisões sobre a saúde
Porque os cooperantes vão e vêm, mas o sistema de saúde e a comunidade permanecem
Vinte anos depois, em 2014, depois de termos construído ou reabilitado mais de metade da infraestrutura de saúde dos distritos onde cooperávamos; depois de termos contribuído para a formação de muitos profissionais; depois de termos publicado guias de planificação e gestão e mapas de saúde; depois de termos ajudado inclusive nas terríveis inundações do ano 2000 no sul do país e em muitas epidemias de cólera no norte, percebemos que estávamos a remar em contracorrente. Num país em que 80% do orçamento da saúde procedia de doações externas, a maior parte deste dinheiro, por vontade dos doadores e cedência do governo, foi dedicado a combater doenças específicas, especialmente estas três: SIDA, tuberculose e malária. Quase ninguém apostava, nem pelos cuidados de saúde primários, nem pelo fortalecimento dos sistemas de saúde, verdadeiras garantias da saúde presente e futura de um país.
Decidimos, por isso, reforçar a nossa estratégia de fortalecimento dos cuidados de saúde primários (CSP) com mais dois pilares: a promoção e a defesa dos CSP. Promoção, para que os CSP ocupem um lugar de destaque nos currículos das universidades e centros de formação, e para que os CSP, os determinantes sociais da saúde (DSS) e o próprio sistema de saúde tenham presença nas agendas de investigação, dedicadas quase exclusivamente ao estudo de doenças específicas. Defesa, para que a cidadania, formada e empoderada, se organize e reivindique às autoridades o seu direito à saúde. Assim, nasceu também a ideia da Aliança para os CSP, local de encontro de todas as organizações da sociedade civil, centros de estudos e investigação e doadores que acreditam que a saúde é um direito, não uma mercadoria, e que a melhor maneira de o garantir é através de um modelo de saúde baseado nos CSP e em sistemas de saúde sólidos com cobertura universal. A união faz a força. Se os poucos atores que partilhamos esta visão da saúde nos juntamos, sem dúvida poderemos influir, formar e convencer ainda mais pessoas, com base nas evidências da investigação e da prática.
Esta nova estratégia exigiu-nos aumentar a nossa gama de colaboradores no país. O Ministério da Saúde continua a ser um parceiro privilegiado, mas agora também cooperamos com universidades, centros de investigação e outras organizações da sociedade civil. A ênfase nos determinantes sociais da saúde levou-nos igualmente a trabalhar em questões de violência de género, meio ambiente e cultura. Toda esta evolução reflete-se nos documentários Silêncio da Mulher, A Luta Continua, A Febre do Ouro e Woman.
E ficou patente na comemoração do nosso 25º aniversário em Maputo, no dia 26 de novembro de 2019, onde assistiram representantes do Ministério da Saúde, Conselho Municipal da Cidade de Maputo, Polícia (serviço de atendimento às vítimas de violência de género), Instituto Superior de Ciências da Saúde, Universidade Eduardo Mondlane, das organizações Naima+ e Fórum Mulher, e dos financiadores ACCD, AECID e UE. Todos as pessoas convidadas falaram brevemente sobre a sua experiência ou vivências com a medicusmundi, oferecendo desta forma uma perspetiva externa e abrangente sobre a organização.
Nessa mesma tarde, assistimos também à estreia do nosso documentário Woman no Centro Cultural Universitário da Universidade Eduardo Mondlane. Uma plateia de mais de 400 pessoas aplaudiu este documentário sobre mulheres corajosas que enfrentam a violência de género. O debate posterior contou com a participação das protagonistas do filme, Graça Júlio, do Fórum Mulher; Énia Lipanga, poeta e rapper, Josina Machel, do Kuhluka Movement, Dama do Bling, também rapper, e Violeta Bila, responsável de género da medicusmundi mozambique, que responderam às perguntas da moderadora, a apresentadora de televisão Onélia Filipe, e às do público, que não desperdiçou a ocasião para tirar fotos no final da sessão com as estrelas presentes.
Francesc Àlvarez
Director
medicusmundi mediterrània
*Traduzido de espanhol para português por Vasco Coelho