Passaram já mais de 30 anos desde que na Declaração de Alma Ata se lançou o sonho de “Saúde para Todos” e se apostou por uma estratégia, os “Cuidados de Saúde Primários” (CSP), como a forma mais eficaz e eficiente de atingir este objetivo. Estaremos hoje mais perto desse sonho? Os CSP converteram-se na referência para o fortalecimento dos Sistemas de Saúde garantindo uma cobertura universal? Será Moçambique um exemplo a seguir nesse sentido?
O certo é que o Governo de Moçambique, através do Ministério da Saúde, defendeu os CSP como sendo a principal aposta sócio-sanitária para a melhoria da saúde da população. Esta orientação dirigiu, de forma teórica, todas as políticas sanitárias, seguindo as recomendações estabelecidas pela própria OMS, que considera que os CSP podem resolver até 80% dos problemas de saúde da população.
Não obstante, a prática demonstra que os recursos financeiros, humanos e institucionais do Governo, e sobretudo os recursos provenientes dos seus sócios, nem sempre são aplicados nesta direção. Se as evidencias e políticas internacionais demonstram que é a melhor opção, e se a política nacional se baseia neste princípio, por que não se estão a priorizar os CSP em Moçambique? Estará assim realmente a trabalhar no fortalecimento do Sistema de Saúde?
Através de entrevistas com responsáveis do Ministério da Saúde, doadores, Agências Internacionais, representantes da Sociedade e os próprios profissionais de saúde, o documentário “A Luta Continua”, realizado por medicusmundi e Kanaki Films, revela as dificuldades que tem Moçambique para construir um Sistema de Saúde para todas e todos.
Ao longo de 40 minutos, “A Luta Continua” expõe as circunstancias e tendências, umas internas e outras externas, que reduziram os CSP no país a um recurso dialético, muito distante do seu revolucionário conteúdo original. Recomendamos que vejas o documentário e reflexiones sobre o mesmo, e indicamos algumas ideias chave que podem ajudar-te a entendê-lo:
- O sector saúde é altamente dependente de recursos externos. Ao longo dos últimos 5 anos, mais de 90% do orçamento de investimento para o sector proveio de ajuda externa.
- A ajuda está fortemente fragmentada. No ano de 2011 havia mais de 26 doadores no SWAP Saúde (Sector Wide Approach: um mecanismo de coordenação entre Governo e Doadores para o sector da saúde), cerca de 150 ONGs e distintos mecanismos de coordenação com papel similar ou complementar ao SWAP. Nem todos estes atores partilham as mesmas ideias. Existem, assim, múltiplas visões do modelo de saúde que deve seguir o país.
- As intervenções verticais aumentaram consideravelmente. A origem dos fundos (Fundo Mundial, PEPFAR, etc.) está a determinar o desenho das estratégias de saúde. A ideia original da APS transformou-se em programas de luta contra as três grandes doenças (VIH, TB e Malária). Segundo dados do SWAP, em 2007, apenas 23% dos fundos do sector, incluindo os provenientes dos doadores, foram destinados aos serviços de Cuidados de Saúde Primários. No ano de 2013, apenas 19% do orçamento de saúde foi atribuído às administrações distritais, responsáveis pela verdadeira aplicação dos CSP.
- As medidas de Ajuste Estrutural promovidas pelas instituições financeiras internacionais têm impacto relevante no sector, especialmente pelos cortes na despesa pública e a repercussão que tem no investimento e nos salários dos trabalhadores de saúde.
- O déficit democrático que está a gerar a atual “governação global da saúde”, liderada por determinadas agências, fundações filantrópicas e outras entidades e parcerias que, longe de fortalecer os sistemas nacionais, impõem agendas externas em função das suas próprias prioridades.
E depois disto poderás questionar-te: E agora? Não existe alternativa? O que podemos fazer para mudar isto? Claro que existem alternativas e na medicusmundi temos muito clara a resposta: Cuidados de Saúde Primários em Moçambique: tornemo-los possíveis! Segue o nosso blog e te iremos informando da nossa visão sobre o modelo de saúde que realmente necessita Moçambique e como consegui-lo, mediante propostas concretas, eficazes e muito mais eficientes que as que atualmente se implementam.
Ivan Zahinos Ruiz
Diretor de Projetos de Cooperação
medicusmundi Catalunya
Traducção do español: Maria Sachetti