Rodar um documentário é sempre um exercício criativo intenso. São dias em que trabalhas 18 horas, entrevistas a dezenas de pessoas, assistes a mil e um eventos… submerges na vida de outras pessoas, tornas tuas as suas vivências e as metabolizas para lhes dar forma no ecrã.
Há centenas de debates, aproveitas cada pausa para esmiuçar um tema, una imagem, um detalhe que fez com que tudo tomasse um caminho diferente. Janta-se tarde, trocam-se opiniões a altas horas da noite… o tempo estica-se e o corpo ressente-se e a paixão não deixa nunca de crescer, à medida que sentes que tens a mala cheia de boas estórias. Rodar um documentário em África, em Moçambique, e sobre a violência de género, é uma experiência ainda mais penetrante. Há mais de dois meses que regressámos da rodagem e ainda tenho as imagens, as vozes e os testemunhos muito presentes na minha mente.
A medicusmundi mediterrània está há mais de dois anos a trabalhar lado a lado com o Fórum Mulher, a maior rede de entidades em Moçambique que lutam pelos direitos das mulheres e em particular contra a violência de género. Lado a lado com elas, pudemos organizar a produção necessária para rodar um documentário destas características, com todas as dificuldades que o tema encerra.
Pudemos entrevistar especialistas que nos explicaram como a violência tem raízes profundas na construção social, cultural e histórica de Mozambique. Como, em muitas ocasiões, se faz um mal uso da tradição para justificar abusos e violações de direitos. Como a legislação, ainda com influências da época colonial e com um profundo carácter conservador dos governos actuais, descrimina a mulher. Como os recursos destinados à prevenção, aos cuidados e à restituição de direitos em casos de mulheres violentadas são praticamente inexistentes.
Também estivemos com vítimas de violência. Mulheres de todas as classes sociais que nos contaram as suas vidas e o seu inferno. Algumas delas conseguiram sair do círculo da violência. Outras não. Todas coincidem em relação ao pouco apoio social que receberam. Os seus testemunhos, as suas caras e as suas mãos ao expressar-se, demonstravam que eram os verdadeiros casos deste flagelo social. A teoria que tão bem conhecemos assumiu a forma das vivências destas mulheres.
E vimos a luz com uma nova geração de mulheres que, através da sua arte, contribuem para mostrar à sociedade que os tempos estão a mudar e que elas são um modelo para milhares de jovens que vêem nelas um ideal em que possam inspirar-se. Mulheres juristas, escritoras, mães, empreendedoras, rappers, poetisas, activistas sociais… mulheres poliédricas, poderosas, apaixonadas e lutadoras.
Este é um pequeno avanço do que será o nosso novo documentário. Esperamos que sirva para contribuir com um grãozinho de areia na luta contra a violência de género. Brevemente, poderemos dar-vos mais informação sobre a sua estreia em festivais e disponibilidade para vê-lo no webdoc que estamos a preparar.
Ivan Zahinos Ruiz
Coordenador de Relações Internacionais
medicusmundi mediterrània
* Traduzido do espanhol para o português por Vasco Coelho