A província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, vive submersa há mais de 5 anos numa situação de crise humanitária e instabilidade permanente, que obrigou quase 1 milhão de pessoas – 35% da sua população –– a fugir das suas casas deixando para trás as suas terras de cultivo e meios de vida, e tirou a vida a alguns milhares de homens, mulheres e crianças.

Desde então, em virtude dos actos terroristas provocados por grupos de insurgentes e da crescente militarização e complexidade do conflito, 70% das pessoas deslocadas vivem no seio de comunidades de acolhimento e 30% em centros de reassentamento ou locais provisórios, principalmente noutros distritos da província e na sua capital, Pemba.

Apesar da forte presença de forças militares e de segurança, tanto de Moçambique como de outros países da região, dos esforços do Governo e das agências e organizações nacionais e internacionais para garantir um retorno a breve prazo, a maior parte das pessoas deslocadas (48% são crianças) vive com uma grande incerteza em relação ao seu futuro.

A esta incerteza junta-se o sentimento permanente de insegurança, desconfiança e medo, com o aumento destes actos terroristas em aldeias dos distritos de acolhimento mais a sul da província de Cabo Delgado e também nalgumas aldeias da vizinha província de Nampula.

Se algo sabemos, depois destes 5 anos de conflito (e de quase 30 anos na província), é que as pessoas de Cabo Delgado têm dentro de si capacidades infinitas de resistência e resiliência, herdadas de anos, décadas e séculos de lutas e violências várias, causadas, quase sempre pela exploração e domínio sobre os seus próprios recursos naturais ou pelo controlo de um território propício ao estabelecimento de rotas de transporte de mercadorias diversas.

Prova dessas capacidades é a generosidade com que muitos cidadãos e cidadãs, de diferentes religiões e origens, acolheram milhares e milhares de pessoas deslocadas nas suas próprias casas e comunidades, ou entregaram toda a ajuda possível, pese embora as dificuldades em que vivem. Tendemos, na maioria das vezes, a ressaltar de forma justificada os esforços do Governo, das agências internacionais ou das organizações da sociedade civil, porém a principal resposta tem sido dada por esta cidadania anónima.

Cabo Delgado é uma das províncias mais empobrecidas do país, sendo que este conflito veio agravar ainda mais os principais indicadores de pobreza, incluídos os de saúde e educação, entre outros, com especial foco na situação das mulheres e das crianças.

A medicusmundi é uma ONGD internacional da área da saúde e trabalha na província de Cabo Delgado desde o ano de 1994, de forma ininterrupta. Entrou nesta província para colaborar no esforço colectivo de reconstrução do sistema de saúde, depois de décadas de conflitos militares, desde a Guerra da Independência de Moçambique até à Guerra Civil dos Dezasseis Anos.

Durante todos estes anos de presença em Cabo Delgado – e noutras províncias de Moçambique – temos sido permanentemente um parceiro do Sistema Nacional de Saúde (SNS), capacitando centenas e centenas de profissionais, construindo ou ampliando dezenas de centros de saúde, introduzindo novas metodologias e abordagens de gestão, e lutando pelo direito à saúde de todas as pessoas.

Hoje e sempre, estamos com Cabo Delgado, continuamos em Cabo Delgado e somos Cabo Delgado. Somos uma equipa de pessoas de diferentes pontos da província, que também sofremos pela situação dos nossos familiares e os acolhemos nas nossas casas. Somos também uma equipa de pessoas provenientes doutras províncias de Moçambique e de fora do país, que damos o nosso melhor todos os dias pela população de Cabo Delgado.

Graças ao apoio financeiro da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) e de outros doadores, podemos assegurar a nossa continuidade nesta província com projectos de acção humanitária e cooperação para o desenvolvimento, apoiando mais uma vez o processo de reconstrução e reforço da rede sanitária de Cabo Delgado.

Estamos com Cabo Delgado. Continuamos em Cabo Delgado. Somos Cabo Delgado. Porque a população de Cabo Delgado nunca desiste de lutar por um futuro melhor.

Hoje, mais do que nunca, Cabo Delgado necessita que a comunidade internacional não se esqueça da sua população e desta crise humanitária, que ameaça tornar-se uma situação crónica e deixar cair por terra os esforços de desenvolvimento e bem-estar realizados nas últimas décadas. É urgente apelar ao diálogo e parar os ataques à população e as violações maciças de direitos humanos em Cabo Delgado. É urgente ajudar a construir o futuro que a população de Cabo Delgado anseia.

Actualmente, a medicusmundi implementa os seguintes projectos na província de Cabo Delgado (Moçambique):

Na área da Cooperação para o Desenvolvimento:

Na área da Acção Humanitária:

Vasco Coelho
Técnico de projectos
medicusmundi mediterrània